sexta-feira, julho 09, 2010

AUTORIDADE E PODER

A igreja evangélica tem experimentado uma crise de liderança. A cada dia somos tomados de assalto por histórias escabrosas envolvendo nossos líderes, e com eles muitos caem também. Nos próximos dias a Igreja Presbiteriana do Brasil decidirá seu rumo para os próximos quatro anos, através de mais uma reunião de seu Supremo Concílio. Pela seriedade do assunto, convido você, leitor, que medite nos exemplos de Diótrefes e Demétrio, os personagens principais da terceira epístola de João. O cristão deve buscar ser um bom líder servindo a Igreja em santidade e não visando seus próprios interesses.


I. O Mau Exemplo de Liderança (9,10)

As instruções apostólicas de João parecem não ter sido acolhidas (v.9) por causa de um líder local daquela comunidade, Diótrefes, a quem o apóstolo afirma que repreenderia pessoalmente em tempo oportuno (v.10). Enquanto não era possível visitá-los, João tratou de mostrar algumas características no comportamento daquele homem que o tornava um exemplo de má liderança

A. Abuso de Poder

Havia um grande problema com Diótrefes. Ele não entendia o princípio que deve revestir aquele que exerce liderança na igreja. O cargo é uma maneira de servir de forma ainda mais intensa, e não de ser servido. Nessa mesma direção, a recomendação de Paulo é bastante assertiva: “… preferindo-vos em honra uns aos outros.” (Rm 12.10b).
Jesus deu várias mostras de como o líder deveria servir com humildade (Mt 23.11; Lc 22.26-27). Bastaria, para isso seguir seu exemplo! O serviço é a essência do ministério e não obedecer esse princípio é abusar da autoridade conferida. Por essa razão, Pedro aconselhou os outros presbíteros a exercerem suas funções não “como dominadores” (1Pe 5.3).
Certa vez Jesus reprimiu severamente seus discípulos porque estavam secularizando a liderança cristã. “Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores.  Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve.” (Lc 22.25-26 ). O crente não pode querer aplicar o princípio de autoridade mundano à realidade da igreja. Enquanto no mundo os líderes são servidos, na igreja os líderes devem ser os primeiros a servir.

B. Ambição

Diótrefes gostava de exercer a primazia (v.9), isto é, desejava ardentemente a liderança por causa do apego ao poder e à vontade de aparecer. Não é isso que Deus requer de nós; nada deveria ser feito por vanglória (Fp 2.3), e mais uma vez Jesus pegou seus discípulos pecando em relação a isso. Os apóstolos chegaram a discutir e contender entre si para saber qual deles era o maior (Lc 22.24-27). Outro exemplo pode ser observado na ocasião em que a mãe de Tiago e João pede que seus filhos se assentem à direita e à esquerda de Jesus na glória (Mt 20.20-28).
A liderança não deve ser motivo de ambição, mas sim ser encarada como um privilégio, uma oportunidade de servir. João aprendeu a lição com Jesus, e Diótrefes deveria prender com João. Sobre isso, um querido amigo e mestre certa vez observou com muita propriedade a respeito dessa mudança de paradigma de valores entre pessoas e cargos. Falava ele que, antigamente, quando alguém era nomeado ou eleito para um cargo dizia-se que o cargo era importante; agora, no mesmo contexto, a afirmação é de que a pessoa é importante. Ou seja, antes a pessoa fazia o cargo; agora, o cargo faz a pessoa. Péssima troca.

C. Enxergar irmãos como concorrentes

O resultado de buscar a liderança por ambição é enxergar os irmãos como adversários que concorrem a mesma vaga. Daí, Diótrefes ter adotado duas estratégias:
a. “Escrevi alguma coisa à igreja; mas Diótrefes […] não nos dá acolhida.” (v.9) – Por causa do ciúmes em relação ao apóstolo João, Diótrefes não permitia que seus escritos fossem lidos na igreja, ou então tratava de argumentar contra. Esse versículo pode dar a entender também que Diótrefes nem sequer autorizava que o apóstolo e seus seguidores fossem acolhidos pelos irmãos daquela comunidade. Se alguém fizesse isso, ele o expulsava da igreja (v.10).
b. “…proferindo contra nós palavras maliciosas…” (v.10a) – Para diminuir a influência do apóstolo na comunidade, Diótrefes tratava de desqualificar o ensino de João ou então distorcê-lo. Esse versículo dá a entender que a maldade daquele homem incitava-o até mesmo a colocar em dúvida o caráter de João.

D. Ausência de cooperação e de amor

Os itens tratados até aqui (abuso de poder, ambição e enxergar irmãos como concorrentes) são de difícil diagnóstico por serem  de certa forma subjetivos, ou seja, ligados às motivações do coração. É complicado enxergar intenções, mas é bem mais fácil enxergar ações.
A má doutrina de Diótrefes era evidente pelo resultado que produzia: falava mal de irmãos, usava o púlpito da igreja como trincheira para atracar e defender-se, não era hospitaleiro em relação aos discípulos de João e não permitia que ninguém os hospedasse sob ameaças de excomunhão.
Jesus nos ensinou a provar os falsos profetas através de seus frutos. “Pelos seus frutos os conhecereis.” (Mt 7.16) – disse ele. Os frutos de Diótrefes denunciavam quem ele era.
  
II. O Bom Exemplo de Liderança (12)

Pouco se sabe a respeito de Demétrio. Há uma outra referência a esse nome em Atos 19.24 só que em um contexto totalmente hostil ao evangelho, pois o Demétrio de Atos foi quem incitou a cidade de Éfeso contra Paulo. Teria ele se convertido e agora, anos depois, servia o apóstolo João, que nessa época morava em Éfeso? Não podemos dizer ao certo. O que sabemos na epístola de 3João é que havia um homem, talvez um mestre itinerante, a quem João confiara o trabalho de restauração de uma das igrejas nos arredores de Éfeso. As credenciais de Demétrio apresentadas por João foram:

A. Conta com um Bom Testemunho

“Quanto a Demétrio, todos lhe dão testemunho” (v.12). O testemunho da igreja é algo essencial no ofício de qualquer função. No Antigo Testamento as pessoas com quem Deus contava para trabalhar eram chamadas por Ele diretamente, como por exemplo Moisés, Samuel, Davi, Isaías, Jeremias dentre outros. Eles foram chamados diretamente por Deus através de sonhos, visões ou por profetas, mas e no Novo Testamento? Não vemos mais esse mesmo modelo. Um professor de Escola Dominical, diácono, presbítero ou pastor não pode ficar esperando uma visão ou sonho para se sentir chamado. O chamado de Deus desde o Novo testamento é indireto e é operado através da Igreja.
Na prática, isso funciona com o testemunho. Quando alguns irmãos dizem que você deveria trabalhar em determinada área da igreja, isso é um testemunho. Na verdade não é um método inequívoco, mas Deus pode usar nossos irmãos para confirmar os dons espirituais que recebemos. Era esse processo que João tinha em mente em relação a Demétrio. João quer deixaria claro que a capacidade de Demétrio para trabalhar não era algo imposto, mas sim um fato notório pelo testemunho da comunidade.
Os maus líderes (como Diótrefes) também contam com simpatizantes, muitos são ludibriados, ou então por serem neófitos, não dispõem de todas as condições para discernirem o erro.  Por isso João afirma que o testemunho a respeito do caráter e integridade de Demétrio não só é validado pelo testemunho de alguns irmãos, mas “até a própria verdade” (v.12), ou seja, não é algo da boca para fora ou de maneira superficial; era verdade de fato.

B. Liderança conquistada, não imposta

A liderança cristã não é algo que se consiga em um campo de batalha, como pensava Diótrefes. Jesus foi um exemplo claro disso. Seu primeiro discurso público foi o Sermão do Monte (Mt 5 a 7), e após terminá-lo foi inevitável para o povo comparar suas palavras com o discurso dos mestres locais: “Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina;  porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas.” (Mt 7.28-29) Jesus conquistava discípulos pela força da verdade.
  
III. O Exemplo a ser Imitado (11)

A unidade da igreja é algo conseguido através de bons exemplos. A igreja deveria ser unida, em primeiro lugar, porque Cristo deixou modelo para isso. Se o exemplo de Cristo não falha, o que falta então? Falta o exemplo dos líderes. Uma igreja em que existam muitas pessoas com problemas de relacionamento está certamente repetindo o modelo da própria liderança.  O que podemos esperar de uma denominação se seus líderes ficam a se "morder e devorar" (Gl 5.15)? Se isso acontece, a ruína completa bate à porta. Por isso Paulo, em sua correspondência com os filipenses, exclamou: “Acautelai-vos dos maus obreiros!” (Fp 3.2)

A. A Tendência Natural – Imitar o mau

“…não imites o que é mau.” (v.11a) Infelizmente a maior tentação enfrentada diante de um líder corrupto é agir usando as mesmas armas. É combater fogo contra fogo. No caso da epístola em questão, duas eram as formas de imitar o mau exemplo.
a. Imitando Diótrefes – Ser simpatizante da doutrina desse falso mestre.
b. Imitando os métodos de Diótrefes – se Gaio, o destinatário da carta, usasse dos mesmos métodos sujos contra o próprio Diótrefes, ele o teria como exemplo. Os maus não podem ser combatidos com métodos pecaminosos.
O cristão deve sempre lembrar-se que, mesmo após sua conversão, o coração ainda tem desejo pelo mal. Daí a necessidade de sempre avaliar as atitudes. Isso nos remete ao próximo ponto:

B. Exercer uma liderança coerente

Se nosso objetivo é santo e agradável a Deus, os meios pelos quais chegaremos a esse objetivo precisam ser também.
“Aquele que pratica o bem procede de Deus; aquele que pratica o mal jamais viu a Deus.” (v.11b). Uma das características mais marcantes da boa liderança é a coerência: “Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova.” (Rm 14.22)

 Conclusão

Certa vez Paulo disse: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo.” (1Co 11.1) Naquilo em que ele seguia a Cristo, desejava ser seguido também. Essa é uma boa liderança. Todo líder é um exemplo, daí a necessidade de nos parecermos cada vez mais com Cristo para que nosso exemplos sejam bons e não maus. Temos que ser mais parecidos com Demétrio e diferentes de Diótrefes.
Quando pensamos em liderança, muitos pensam logo em altos cargos. Quando você exerce seu dom na igreja, de alguma forma você também se torna um líder na sua área de atuação. Com quem você se parece mais no exercício de sua responsabilidade, com Diótrefes ou com Demétrios?

2 comentários:

Alfredo de Souza disse...

Fernando, muito bom o texto. Oportuno para o momento em que a IPB estará vivendo esses dias.

Abraço.

Marcello de Oliveira disse...

Shalom!

Rev. Fernando, uma alegria conhecer seu blog. O Eterno resplandeça o rosto Dele sobre ti e toda a sua família.

Medite no Sl 36.8,9

Nele, Pr Marcello

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Grato.

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